ESPECIAL DE FIM DE SEMANA.
Deputado Zezeu Ribeiro (PT-BA) analisa cenário do Nordeste, fala da futura administração de Jaques Wagner na Bahia e comenta o fim das oligarquias; O parlamentar acha natural que a sede do PT venha para Brasília.

(Brasília-DF, 03/11/2006) O Nordeste confirmou nas eleições de outubro uma mudança no perfil dos seus governantes. O PFL, que sempre teve grande força política na região, não elegeu nenhum governador, e só elegeu dois senadores, enquanto os partidos de esquerda se instalaram em sete estados nordestinos. A Bahia foi uma das surpresas nas eleições, legitimando ainda no primeiro turno a vitória de Jaques Wagner (PT). Essa vitória representou um enfraquecimento do Carlismo no estado.



O deputado Zezeu Ribeiro (PT-BA) concedeu uma entrevista especial a Política Real avaliando o novo cenário político no Nordeste e comentando o projeto de governo de Jaques Wagner que deverá ser implantado na Bahia a partir de primeiro de janeiro de 2.007. O deputado avalia que o segundo turno foi importante para o governo discutir de forma mais clara a sua política para o país, destacando a integração com a América Latina e o estímulo à ocupação do interior do país como um principais benefícios do Governo Lula.



Apesar da mudança no cenário político no Nordeste, Zezeu Ribeiro acredita que o pensamento das oligarquias ainda não foi banido da vida dos nordestinos. “…esses são processos culturais que foram preservados secularmente. A mudança de diretriz, de prioridade, de paradigmas se dá na forma, mas não no cotidiano, onde os procedimentos são culturais”.



O parlamentar, que foi relator da proposta de recriação da Sudene na Câmara, destacou a importância da histórica instituição no processo de discussão regional do orçamento geral da União e discutiu o futuro do projeto de Integração de Bacias do Rio São Francisco. “O debate foi levado de forma extremamente patrimonialista. Os estados doadores são contra ,os estados receptores são a favor. O que a gente tem que entender é que a integração de bacias é um projeto de longo prazo, mas um projeto estratégico para o Brasil. Acho que existem problemas ainda a serem discutidos no âmbito técnico. Acho que está tendo uma maturação sobre o tema e acredito que vamos avançar”, disse.



Zezeu Ribeiro ainda relatou as mudanças que serão feitas na administração de Jaques Wagner, e sinaliza a vontade de participar do próximo governo, se for convidado. “Essa é a situação que a gente vive na Bahia, de não-republicanismo, de patrimonialismo. Os cargos de confiança, teremos que renovar. Mas respeitamos e consideramos que muitos órgãos se consolidaram com uma massa crítica importante, com técnicos de carreira, e muitos desses técnicos estão colaborando com esse processo de mudança. Jaques Wagner tem a firmeza e a lucidez para cuidar disso”, declarou. Segue abaixo a entrevista com o deputado Zezeu Ribeiro.



Qual a sua avaliação do resultado das eleições, principalmente no Nordeste que apresentou uma mudança para a consolidação de uma política mais a esquerda?



“O segundo turno foi uma dádiva. Deu para a gente demarcar posição. É muito forte a demarcação do que foi o governo Lula e do que foi o governo do neo-liberalismo. A gente restaurou uma maturidade de nação.O que o Fernando Henrique fazia era um processo de desenvolvimento excludente, com assistencialismo e com a questão subalterna no conselho das nações. A gente retorna com uma afirmação do Brasil na América Latina, como parceiro. O que a gente busca estabelecer na América Latina é uma ampliação do Mercosul de forma não hegemônica”.



Política Externa



“ Ao avaliar a questão da Bolívia vemos a contradição do discurso. Eles se submeteram aos países imperialistas, quando é com a Bolívia a gente tem que mandar tropas?! Eles querem abrir uma guerra entre os dois Estados? Nós trabalhamos, negociamos, respeitamos, temos as nossas diferenças, mas entendemos que é uma luta deles para manter a soberania pelos bens naturais do país. Então, o tratamento de desenvolvimento desse governo é diferente. O Brasil olha para o seu interior e para a América Latina. Essa integração com a América Latina se faz não só no plano econômico, mas também no campo cultural. A volta do Espanhol na grade escolar é uma manifestação nesse sentido. Então, ao invés da gente ficar no litoral, olhando para a Europa, para França, Inglaterra, Estados Unidos, a gente busca um processo de interiorização.



Bolsa Família



O programa Bolsa-família mudou na quantidade e na qualidade, e mudou o processo. O assistencialismo é caracterizado por uma relação de dependência, de supremacia e de manutenção da dependência. Estou te dando isso e você é dependente de mim, que vai desde o simbolismo, até o ato de tomar o título eleitoral do cidadão.



O Bolsa-família tem a impessoalidade, você tira o cartão, nos correios, de forma impessoal. Não existe essa relação direta do governante dando o benefício pessoalmente ao cidadão. O dinheiro é repassado por meio de instituições. O que é diferente. Agora vamos criar mecanismos de superação. Quando chegar no limite a gente quer criar condições para não manter dependência.”



Agricultura familiar



“ O governo teve dois pontos fortes na área da agricultura familiar: o Pronaf e renegociação das dívidas. Com a renegociação você dá condições do agricultor voltar a produzir. E começa a reorganizar toda a cadeia, estimula a compra antecipada da produção, a compra local, a expansão com merenda escolar. Mas só isso não basta, você tem que verticalizar a produção. Você precisa ter luz. Pega o que era o Luz no Campo e o que é o Luz para Todos. O “ Luz no Campo” você tinha um programa que se caracterizada por fornecer luz para latifundiários. Você recebia energia na porta, o padrão você já pagava e pagava também a rede. Agora você recebe a luz de graça, na sua casa, e você recebe o padrão. Mas luz não é só você ter geladeira e televisão em casa. É você agregar valor na produção. Você introduzir isso no processo seletivo. “



Interiorização



“ O processo de interiorização da Universidade é uma mudança profunda na ocupação do território nacional. Brasília foi uma iniciativa importante para o desenvolvimento do interior do Brasil. Imagina o que vai representar daqui a 15 anos a presença de campos universitários em uma cidade pobre do interior.



O presidente Fernando Henrique proibiu os Cefets, porque disse que não era responsabilidade da União. Os Cefets estavam se acabando e estamos recuperando isso. Estamos interiorizando a Universidade, fazendo obras consideráveis no Recôncavo na Bahia, são 10 novas universidades, mais de 50 extensões de campos universitários. Se você injetar em cada cidade dessa 40 professores, 30 técnicos administrativos, com novas exigências sociais, culturais, econômicas. Isso representa uma ebulição para o local. Você vai trazer 200 mil alunos da região, um intercâmbio que faz a mobilidade social, a troca de experiências no interior do país. Imagina isso no Brasil todo. Vai ser um salto para o Brasil. Porque estamos pensando um Brasil como um projeto de nação.”



Fim das oligarquias



“ No Nordeste, o PT elegeu três governadores, o PSB elegeu três e o PDT elegeu um. Só ficou de fora Alagoas e Paraíba. É uma mudança profunda. Acabou o coronelismo? Matou o Carlismo? Não. Porque esses são processos culturais que foram preservados secularmente. A mudança de diretriz, de prioridade, de paradigmas se dá na forma, mas não no cotidiano, onde os procedimentos são culturais. Cultural no sentido da vivência, de como as pessoas se tratam. Temos uma herança maldita do sistema escravocrata.



A implantação de uma sociedade republicana é um processo permanente que precisa cada vez mais de ações sociais de transparência. Como esse belo trabalho que Waldir fez na Controladoria Geral da União, onde se faz um sorteio e fiscaliza todo mundo.



O próximo governo da Bahia tem uma grande responsabilidade na implantação de um modelo de gestão, tendo em vista a importância econômica e o tamanho do Estado. Qual vai ser o modelo de administração do novo governo?



Primeiro vamos respeitar o pacto federativo. Não é porque as prefeituras são administradas pela oposição que não vamos fazer chegar os recursos lá, como o Carlismo fez, de forma perversa. Ele perseguia o povo baiano no plano estadual no plano municipal. Isso foi a coisa mais perversa. Estamos mudando isso. E muita gente veio nos apoiar no segundo turno particularmente para se libertar desse sistema. Lula perdeu em apenas dois municípios da Bahia. Teve município que ele ganhou com até 88 % dos votos. Como a gente compreende um processo de crescimento da Bahia que não seja excludente? Vamos pegar as três economias mais recentes: o pólo petroquímico de Salvador, o papel celulose e a irrigação.



Então, dois processos eram feitos historicamente de forma excludente, como um nicho de concentração grande de riqueza e a marginalização da periferia. Deixa a miséria de fora. Como acontece na parte oeste com produção da soja. São economias fechadas, não distribuem riqueza. A produção de papel celulose não diversifica a cadeia produtiva. A indústria exporta 98 % da celulose branca. Na hora de verticalizar a produção você exporta para beneficiar lá fora. Então é importante que você aborde a cadeia produtiva de forma mais diversificada, com movelaria, material de construção, casas de madeira, a carvoaria para siderurgia. É preciso diversificar, sem reduzir o lucro. E criar mecanismos para enfrentar sazionalidade nas áreas cultivadas.”



Por que o BNDES não faz isso?( Colocação feita por Genésio Araújo Junior em meio a uma série de colocações que estavam sendo feitas pelo parlamentar) “ Essa é uma discussão que estamos querendo fazer. Queremos tanto trabalhar a diversificação da cadeia produtiva quanto o controle social da instigação social e ambiental. Porque fica sempre na mão do poder público, é preciso deixar na mão do empreendedor. Os financiamentos federais que fazem projetos de mega impacto precisam ser guiados por uma política social e permitir que a sociedade defina a locação de recursos de acordo com suas prioridades. Isso vai fazer um diferencial enorme. “



Interiorização da economia



“ O que existe hoje é uma economia exógena que não tem nenhuma referencia com a realidade local. Você traz a borracha de fora, o pano de fora, vem tudo de fora, você só faz juntar tudo ali. Funciona assim. A prefeitura fornece a infra-estrutura, o terreno, o governo do estado dá o galpão, dá a isenção fiscal e quando acaba a isenção fiscal a industria vai embora. Aqueles empregos que foram criados, viram subempregos porque não têm mais utilidade. O que tem que fazer é criar condições de você trabalhar com a capacidade endógena. É preciso criar um processo produtivo que envolva a comunidade local. É preciso ter muito olhar par o Brasil e articular isso de forma geral.”



Sudene



“ No Nordeste, o outro assunto importante é a Sudene. Eu estive em um a reunião em Recife, no dia 10. E voltei a discussão do orçamento. Uma das coisas que a gente coloca no projeto da Sudene é. Justamente, o Plano de Desenvolvimento Regional, com o arcabouço legal do plano, que a Sudene elaboraria. Dessa forma você já trabalha o enfoque regional no orçamento nacional, que é um aspecto positivo.



Na Bahia e em Sergipe vão assumir dois governos do PT a partir do próximo ano. Esses estados eram justamente os dois que faziam oposição ao projeto de Transposição do Rio São Francisco. Você acredita que o novo cenário político vai ajudar na implantação desse projeto?



O debate foi levado de forma extremamente patrimonialista. Os estados doadores são contra os estados receptores são a favor. O que a gente tem que entender que a integração de bacias é um projeto de longo prazo, mas um projeto estratégico para o Brasil. Nós conseguimos fazer a integração da energia elétrica. Quando você consome energia você não sabe dizer se veio de Paulo Afonso, de Tucuruí, ou de Itaipu. Isso é estratégico para desenvolvimento social. Temos uma capacidade de distribuição extraordinário, com um sistema bem implantado. Nós temos que ter um sistema, o que é muito mais difícil, de integração das águas. O rio São Francisco é o rio da integração nacional, não porque corta grande parte do país, mas porque está num território que tem um regime de chuvas diferenciado. Quando chove na cabeceira do rio, falta água no Nordeste, do médio São Francisco para baixo. Quando a nascente seca é quando o Rio São Francisco faz a cheia, provendo uma capacidade extra. A capacidade de aumentar a utilização da água é justamente nesse momento. A capacidade de fornecer água para população está assegurada por uma vazão permanente. A idéia é que na cheia do São Francisco, ao invés de você jogar fora aquela água, você acumula. Agora existem dois problemas que eu quero discutir: o custo da água e o custo da obra. O projeto começou com uma proposta megalomaníaca do governo de Fernando Henrique Cardoso, com uma série de distorções. Temos que continuar a fazer os estudos para fazer a integração da melhor maneira. Não é por causa do governo da Bahia ou de Sergipe que o projeto não foi implantado. Acho que existem problemas ainda a serem discutidos no âmbito técnico. Acho que está tendo uma maturação sobre o tema e acredito que vamos avançar.”



Como será a administração do Jaques Wagner. Vocês pretendem mudar todo o quadro de funcionário e substituir por aliados, ou manter o quadro da gestão anterior?



“ As grandes empresas industriais da Bahia foram embora por não se submeter ao governo Carlista. O próprio genro de Antonio Carlos Magalhães foi embora da Bahia por causa de perseguição. Ele expulsou os empresários locais, como forma de manipulação, para enriquecimento de poucos. É uma gestão patrimonialista, controladora e prejudicial para o povo baiano. Essa questão a gente vai mudar. A Bahia tem 15 mil cargos de comissão, a partir do primeiro levantamento que fizemos nesse momento de transição. Temos por parte do governador Paulo Souto uma postura positiva de orientar essa transição. Mas a gente sabe que muitas secretarias não seguem o comando do governador Paulo Souto. Essa é a situação que a gente vive na Bahia, de não republicanismo, de patrimonialismo. Os cargos de confiança teremos que renovar. Mas respeitamos e consideramos que muitos órgãos se consolidaram com uma massa crítica importante, com técnicos de carreira, e muitos desses técnicos estão colaborando com esse processo de mudança. Jaques Wagner tem a firmeza e a lucidez para cuidar disso. Wagner esteve no governo federal no olho do furacão e conseguiu sentar na mesa, negociar, e ouvir o outro lado. Ele saiu fortalecido, também no cenário nacional, pelo resultado das eleições. Então tem tudo para dar certo”



Discutindo, então essa questão partidária, não está na hora da sede do PT sair de São Paulo e vir para Brasília?



“ Acho que é natural que venha para Brasília. É uma discussão que já foi feita no último congresso, e disseram que iam manter mais um tempo em São Paulo. Eu acho que está na hora de mudar, porque o país se nacionaliza efetivamente. Em minha trajetória universitária, sindical, partidária e política eu sempre tive dificuldade com a abordagem do Brasil por parte paulista. É cultural, por tudo que acontece no processo de formação de hegemonia, que dificulta o entendimento. “



Como estão as negociações para a presidência da Câmara?



“ A presidência da Câmara ainda terá que ser discutida. Teremos uma reunião na próxima semana, com os 36 novos parlamentares da bancada. Agora a gente precisa discutir como vamos manter uma Câmara com independência, restaurando o seu papel na sociedade e mantendo uma relação de compromisso com o andamento da governabilidade. “



Se Jaques Wagner convidar o Sr. para participar do governo da Bahia você deixaria o Congresso?



“ Eu tenho um carinho muito grande por Jaques Wagner. Temos uma relação de amizade e de construção coletiva de muito anos e quero ajudar Wagner na construção desse governo, buscando ajudar nesse processo de democratização. O convite tem que surgir de Wagner. Se isso acontecer vou analisar com muito carinho essa possibilidade. Mas eu gostaria muito de contribuir com o governo da Bahia.”



( por Liana Gesteira com a colaboração e edição de Genésio Araújo Junior)


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