ESPECIAL DE FIM DE SEMANA.
Lei sancionada pelo Presidente Lula institui 2006 como o “Ano do Turismo”; Em entrevista especial, o economista Jorge Arbache fala sobre pesquisa que estuda o impacto causado pelas atividades turísticas na economia do Brasil.

( Brasília-DF, 17/02/2006) Em janeiro deste ano, o Banco Central divulgou dados que apontam 2005 como o melhor ano da história do turismo brasileiro. O ano fechou com o total de 3,861 bilhões de dólares, um crescimento de 19, 38 % em relação a 2004, que fechou com 3,222 bilhões de dólares.



Os desembarques em vôos internacionais do ano, de acordo com a INFRAERO, ratificam estes números e também são recordes. Com o fechamento de dezembro, que apontou um total de 586.138 chegadas em aviões vindos do exterior, o ano somou 6.784.554 desembarques. O crescimento de 2005 em relação ao ano anterior foi de 10,53 %.



O presidente Luis Inácio Lula da Silva sancionou no fim de 2005 a Lei 11.260 que institui 2006 como o Ano do Turismo. O objetivo é divulgar o produto turístico nacional e estimular o turismo interno, aumentando a participação deste setor na economia do país.



O governo está programando para os próximos três anos a construção de 134 empreendimentos hoteleiros de grupos estrangeiros e nacionais, envolvendo recursos da ordem de 3,4 bilhões de reais (1, 2 milhão de euros) e a geração de 16 mil empregos diretos e 70 mil indiretos. Umas das medidas para impulsionar o setor são as linhas de crédito do BNDES para empresários estrangeiros que quiserem investir no turismo brasileiro



O Nordeste é uma das regiões com maior potencial de desenvolvimento do setor, tanto na recepção de turistas como na instalação de empresas internacionais de turismo. Em dezembro de 2005 o Banco do Nordeste liberou 31 milhões de reais para o empreendimento hoteleiro Dorisol Fortaleza Grand Hotel, pertencente ao grupo português Dorisol Hotels.



Além de levar empreendimentos para a região, Portugal é hoje a principal nação européia que envia turistas ao Nordeste. O país passou da oitava posição entre os países que mais enviam turistas ao Brasil, em 2001, para a terceira, em 2004. O salto foi de um total de 165.898 visitantes enviados em 2001 para os 336.988 registrados em 2004. Um crescimento acima de 103 % no fluxo. Os números fazem parte do Anuário Estatístico 2005 da Embratur. De acordo com o estudo, as cidades mais visitadas pelos portugueses são: Recife (PE) com 27%, Fortaleza (CE) com 25,1%, Salvador (BA) com 23,5%, Rio de Janeiro, 15,6%, Natal (RN) 11,2%, Ipojuca (PE) com 10,5% e São Paulo, 4,8%.



ECONOMIA – O Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília, em parceria com a Universidade de Nottigham (Inglaterra) realizou uma pesquisa que mostra o impacto causado pelas atividades turísticas na economia brasileira e revela potencial de crescimento.



A pesquisa revela que o turismo representa 4,32% da produção total na economia brasileira (77,5 bilhões de reais em valores de 2002); participa com 5,56% do PIB do país e é responsável por 5,32% de impostos indiretos. Tudo isso, apesar de receber apenas 0,17% dos investimentos privados do país.Além disso, o setor representa papel importante na distribuição de renda, uma vez que o consumo do turismo é concentrado na classe alta (15,15% do consumo) mas a remuneração advinda dele é distribuída de forma crescente, em termos relativos, dos mais ricos para os mais pobres.



A pesquisa tomou como base o ano de 2002 para construir a matriz de contabilidade social (MCS) do Brasil e aplicá-la na simulação das relações do setor turismo com o restante da economia do país. O professor Jorge Arbache, Economista Senior do Centro de Excelência em Turismo (UnB), foi um dos responsáveis pela pesquisa. Em entrevista especial o professor explica melhor o trabalho desenvolvido pelo Centro e opina sobre outras questões referentes ao setor de Turismo no Brasil.



Jorge Arbache é formado em Economia pela Universidade Federal de Juiz de Fora e mestre pela Universidade de Brasília. Ele tem PhD em Economia pela Universidade de Kent (Inglaterra), e faz pós-doutorado no World Institute for Development Economics Research/United Nations University (Finlândia). É professor do Departamento de Economia da UnB e atualmente coordena o Núcleo de Economia do Turismo no CET/UnB. Veja abaixo a entrevista.



Política Real – Gostaria primeiro que você relatasse a pesquisa desenvolvida na UNB sobre Atividades Turísticas na Economia Brasileira.



Prof. Jorge Arbache – Temos uma extensa agenda de pesquisa sobre os impactos do turismo na economia brasileira e vice-versa. Contamos com uma equipe do mais alto nível acadêmico e com parcerias com universidades estrangeiras. Até o momento, produzimos vários estudos que tratam de assuntos como o efeito do turismo na pobreza e o tamanho do PIB do turismo, até tópicos como a relação da indústria do turismo com outras indústrias. O Ministério do Turismo é parceiro em alguns dos nossos estudos. Temos, ainda, uma pós-graduação em economia do turismo (mestrado profissionalizante) recém-iniciada e que esperamos que irá contribuir para a formação de quadros na área com vistas a aprimorar a pesquisa e as políticas públicas do setor.



PR – Você poderia comentar o que a pesquisa revelou sobre o efeito do turismo na pobreza?



Prof. Jorge Arbache – No que tange ao estudo sobre turismo e pobreza, genericamente pode-se dizer que o turismo pode colaborar para a redução da pobreza através da geração de renda e ocupação. Mas são os aspectos distributivos do aumento do turismo que realmente interessam se queremos acabar com a pobreza. Para isso, precisamos saber o que acontece com a renda extra, resultante do aumento do turismo. Os principais, mas não os únicos, canais que ligam o turismo e distribuição de rendas são: mudanças nos preços dos bens e serviços resultante do aumento do número de turistas; mudança das rendas das pessoas que trabalham direta e indiretamente na indústria do turismo; e o que o governo faz com o imposto extra que ele recebe devido ao aumento do turismo. Muito resumidamente, mostramos que o aumento do fluxo de turistas internacionais no Brasil beneficia, primordialmente, as famílias de renda baixa (aquelas com renda mensal per capita entre 101 e 300 reais). Em seguida vem as famílias com renda alta (mais de 601 reais de renda per capita mensal) e famílias de renda media (entre 301 e 600 reais de renda per capita). Os menos beneficiados pelo aumento do turismo são as famílias de renda muito baixa (renda per capita ate 100 reais). Isso acontece devido aos vários canais que interligam as famílias mais pobres e os gastos feitos pelos turistas. Ou seja, essas famílias pouco se beneficiam do aumento do turismo porque, basicamente, elas não participam da indústria do turismo. Mostramos, no entanto, que se o governo despender o aumento da receita extra de impostos devido ao turismo com os mais pobres, então teremos uma forma de reduzir a pobreza através do turismo.



PR – A pesquisa foi realizada com dados de 2002. Houve algum desdobramento recente da pesquisa, com dados mais atuais?



Prof. Jorge Arbache – Parte significativa da nossa pesquisa se baseia na Matriz de Contabilidade Social, que construímos para o Brasil incluindo 14 indústrias que compõem a atividade econômica do turismo. Essa matriz, inédita no país, é uma representação quantitativa das relações e fluxos entre o capital e o trabalho, entre indústrias, entre a economia doméstica e o resto do mundo, consumo, investimento, poupança, governo, etc. A matriz foi construída com dados de 2002, último ano para o qual dispúnhamos de todos os dados necessários para a construção da mesma.



PR – Como você observa a participação do Nordeste no ramo de atividades turísticas?



Prof. Jorge Arbache – O Nordeste tem significativa e crescente participação na industria do turismo brasileira, o que contribui para a geração de renda, emprego e o desenvolvimento econômico da região.



PR – Portugal tem movimentado o turismo brasileiro, principalmente no Nordeste, não só com o envio de turistas, mas também investindo em atividades do setor no país. Como você avalia este cenário?



Prof. Jorge Arbache – Certamente de forma positiva. Portugal não apenas está investindo no Brasil, mas é também uma porta para a Europa. O crescimento sustentável da economia brasileira requer, necessariamente, o aumento das relações econômicas com o resto do mundo.



PR – De que forma essas relações econômicas podem acontecer?



Prof. Jorge Arbache – As relações econômicas com o resto do mundo podem acontecer basicamente através do aumento das importações e exportações, aumento dos investimentos de estrangeiros no Brasil e vice-versa, e aumento do fluxo de serviços e pessoas, como é o caso do turismo. Quanto mais aberta é uma economia, maiores são as oportunidades de ela se beneficiar da economia mundial.



PR – Qual a sua visão sobre o investimento estrangeiro no setor turístico do país?



Prof. Jorge Arbache – É positiva, em principio. No entanto, a experiência de outros paises em desenvolvimento mostra que quanto maior a participação de empresas estrangeiras na cadeia da atividade turística, menor a parcela que de fato fica no país. Tem casos, como os de alguns países africanos e da América Central, em que menos de 10% do total despendido pelo turista é incorporado à economia. Claro, o impacto do turismo na economia local é inversamente proporcional à parcela das despesas que de fato é incorporada à economia.



PR – Quais as dificuldades e os potenciais das atividades turísticas no Brasil?



Prof. Jorge Arbache – Os potenciais são bons, mas não se deve exagerar e assumir que o turismo é e será uma panacéia para a solução dos problemas econômicos e sociais brasileiros. O turismo representa 4,5 % da economia nacional. Não é’ pouco, mas devido à sua natureza e tamanho, não é e nem será capaz de reduzir a pobreza e a miséria, nem elevar o PIB de forma significativa. O turismo pode gerar emprego e renda, mas pode também gerar destruição ambiental e ter efeitos, às vezes, adversos sobre a cultura local e a prostituição, por exemplo. Isso requer que as autoridades estejam em alerta e desenvolvam, junto com o setor privado, planos e projetos de desenvolvimento sustentável do turismo.



PR – Como o Brasil pode desenvolver o setor turístico para aumentar sua participação no PIB nacional?



Prof. Jorge Arbache – O aumento do turismo no país requer melhoria da infraestrutura, da qualificação da força de trabalho, e aumento da renda da família brasileira. Os gastos com turismo são bastante sensíveis a renda familiar. Se aumenta a renda, aumenta, mais que proporcionalmente as despesas com turismo, e vice-versa. No que tange ao turista internacional, precisamos de melhorar a imagem do país no exterior, e dar mais e melhor suporte e segurança ao turista.



( por Liana Gesteira com edição de Genésio Araújo Junior)

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