ESPECIAL DE FIM DE SEMANA.
Em entrevista especial o eco-sócio-economista Ignacy Sachs avalia a as vantagens e os desafios do Brasil de firmar no setor de agroenergia.

(Brasília-DF, 20/10/2006) A bioenergia segue como tema recorrente nas discussões do agronegócio do país, como mais um mercado em potencial para o Brasil. Para discutir o tema de agroenergia o site entrevistou o eco-sócio-economista, Ignacy Sachs, que esteve nesta semana em Brasília participando do Seminário Agroenergia e Pequenos Negócios, organizado pelo Sebrae.



Ignacy Sachs é professor da Escola dos Altos Estudos em Ciencias Sociais de Paris, desde 1968, e atua como co-diretor do seu Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo. O pesquisador, que tem estudos superiores no Brasil, na India e na Polônia é autor de mais de 20 livros. Entre os livros publicados no Brasil, abordou tema sobre desenvolvimento sustentável e meio ambiente.



Em uma entrevista especial o estudioso falou sobre o potencial do Brasil na produção de bioenergia. “Dois anos de petróleo caro fizeram os biocombustiveis serem colocados na agenda de discussão, não só no Brasil, mas no resto do mundo. Há uma competição entre os que têm as melhores chances de se tornarem líderes nessa nova empreitada. O Brasil tem tudo a seu favor”, disse Ignacy Sachs. O pesquisador, entretanto, ressalta que questões sociais e ambientais devem ser enfrentados pelo Brasil, para que se firme no setor de agroenergia.



Segue abaixo os principais trechos da entrevista do eco-sócio-economista Ignacy Sachs.



Política Real – Como o Sr. analisa o papel do Brasil no cenário de agroenergia?



Ignacy Sachs – O Brasil tem a faca e o queijo na mão. Tem a maior biodiversidade do mundo, tem ainda espaços agrícolas a serem utilizados. Tem uma boa situação em matéria de recursos hídricos, com exceção do polígono das secas. E tem uma pesquisa agronômica de âmbito internacional. Ou seja, tem tudo para tornar-se um global player, de caráter mundial nessa área.



Política Real – Quais dificuldades para consolidação da produção de bioenergia no país?



Ignacy Sachs – Existe uma dificuldade enorme. Dentro de que modelo social se dará essa evolução? Ela vai beneficiar o agricultor familiar, e vai constituir uma oportunidade de um novo tipo de produtividade rural socialmente, promovendo a inclusão social pelo trabalho e pela distribuição da renda? Ou se vai ser mais de agricultura sem homem, jogando mais gente nas favela e simplesmente aproveitando o espaço agrícola para produzir bioenergia?



Segundo problema: não fazer com que a produção da agroenergia se faça a despeito da segurança alimentar.É preciso juntar os dois temas, tentar definir um programa de produção de agroenergia adaptado aos biomas do Brasil. Não justapor a agricultura de alimentos à agricultura de combustíveis.



Terceiro problema: não permitir que a produção de agroenergia promova o desmatamento. Com essas condições e com essa visão de que temos que trabalhar muito o modelo social eu acredito que o Brasil tem uma chance de se firmar. Sobretudo porque acumulou, ao longo dos trinta anos do pró-álcool experiências positivas.



Política Real – Existe algum produto adequado para a produção de bioenergia no Brasil?



Ignacy Sachs – Eu não tenho resposta pronta para essa questão. Acho que a produção tem que ser diferente para diferentes biomas. Mas existem boas oportunidades para se avançar no campo de agroenergia, praticamente para todos os biomas do Brasil. Nos próximos anos temos que analisar as condições e partir para produções diferenciadas de região por região.



No caso do biodiesel a mamona é um candidato. No resto do mundo está se dando muita importância ao pinhão-manso, que o Brasil ainda não tem analisado com cuidado. Eu ouvi uma palestra essa semana em que a Embrapa ainda não dispõe de estudos para poder trabalhar sobre pinhão-manso. E há muitas outras oleaginosas. A pesquisadora da Embrapa, por exemplo, falou de abocanhuva. Eu ouvi falar pela primeira vez aqui. E eu estou certo de que dentro desta gigantesca biodiversidade brasileira vão surgir várias oportunidades de produzir óleos vegetais que são a base do biodiesel. Já sabemos que para um trópico úmido o dendê é um candidato muito certo. A grande dificuldade com a qual vamos nos deparar é quando a mesma planta pode produzir alimento e combustível. O óleo de dendê para moqueca e o óleo de dendê para o automóvel. Como vamos administrar isso? A cana-de-açúcar para produzir o álcool e para produzir o açúcar. Como vamos administrar os preços desses produtos em função do que acontece no mercado com um e outro? Há problemas que terão que ser tratados. E isso não se pode tardar demais com uma resposta. Uma resposta a altura do desafio e uma produtividade suficiente para não se deixar marginalizar por outros que certamente vão entrar nesse jogo. O que trinta anos de discurso ambientalista não conseguiram, dois anos de petróleo caro conseguiram: colocar bioscombustiveis na agenda de discussões, não só no Brasil, mas no resto do mundo. Isso está ligado a uma competição entre os que têm as melhores chances de se tornarem líderes nessa nova empreitada. O Brasil tem tudo a seu favor.



Política Real – O Nordeste tem um histórico de produção agrícola irresponsável em termos de questões sociais e ambientais. É possível mudar essa realidade?



Ignacy Sachs – O problema de como vai ser direcionado o setor sucra-alcooleiro é um dos problemas centrais. Ou seja, dá para corrigir o modelo herdado da colonização, baseado no latifúndio e na monocultura? Este é um desafio. É preciso produzir álcool e cana-de-açúcar entre grandes e pequenos produtores. Podemos imaginar usinas, que não seja de grande capitais privados e sim usinas que sejam formadas de cooperativas? Em Alagoas existe uma cooperativa de agricultores, que é a cooperativa de Pindorama. Há espaço para novas Pindoramas? Eu não tenho resposta pronta.



Mas para o biodiesel a questão é um pouco mais fácil porque estamos começando agora. Não temos essa situação bem articulada e com interesses fortes consolidados. Mas é uma questão. Temos que encontrar um modelo que integre os pequenos produtores com a grande indústria. Em todo agronegócio essa integração entre o grande e o pequeno é extremamente importante. Eu acho que esse problema do modelo, da geração de sinergias positivas entre a grande e os micros, e pequenos produtores é um dos temas centrais de modelo a ser adotado no Brasil. Considero que o Sebrae tem ai um papel muito importante a desempenhar. Temos que chegar a contratos de fomento entre as grandes industrias e os pequenos produtores que não seja nocivo aos pequenos produtores, que seja transparente, e que seja submetido a algum tipo de controle social. Uma ONG paulista está trabalhando muito nesta área de controle social, que é o Instituto Ethos.



Política Real – Como o Sr. avalia a implantação de Clusters na área de produção agrícola?



Ignacy Sachs – Clusters é um nome usado para “arranjos produtivos locais”. Virou moda. É uma técnica que teve uma experiência autentica no nordeste da Itália, onde foi observado um modelo de hegemonia diferente do modelo clássico. É uma concentração de empresas do mesmo ramo, de grande produtores, que ao mesmo tempo que competem, criam também formas de cooperação. Essa mistura de competição e cooperação caracteriza um fenômeno produtivo local italiano e é muito interessante. Agora, querer implantar a experiência em tudo quanto é lugar, sem verificar caso por caso quais são as relações reais entre os diferentes tipos de produtores, me parece um pouco apressado. Cada caso é um caso, é possível que alguns tenham dado certo, mas outros podem dar errado. Não se pode decretar que aglomerado de produtores do mesmo setor em uma região é um “arranjo produtivo local”.



( por Liana Gesteira Costa com edição de Genésio Araújo Junior


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